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Pela primeira vez nos Estados Unidos, uma vítima de homicídio “falou” em um tribunal por meio de inteligência artificial. O episódio aconteceu no Arizona, durante a audiência de sentença de Gabriel Paul Horcasitas, condenado por matar Christopher Pelkey, de 37 anos, a tiros após uma briga de trânsito em novembro de 2021.

Usando registros de imagem, vídeo e áudio da vítima, a família criou uma versão digital de Pelkey que apareceu na tela do tribunal, reproduzindo um texto escrito por sua irmã, Stacey Wales. A fala recriada simulava voz, aparência e expressões faciais do falecido.
A ideia partiu de Stacey, que trabalha com tecnologia e atua como consultora de software. Com ajuda do marido, Tim, e de um amigo especialista na criação de avatares realistas, eles usaram uma foto e um vídeo antigo de Pelkey para gerar a aparência do avatar. A voz foi modelada digitalmente com base nos padrões de fala do irmão. O resultado foi um vídeo de pouco mais de um minuto, com Pelkey vestindo boné e camisa cinza, falando de forma pausada e serena. “Para Gabriel Horcasitas, o homem que atirou em mim, é uma pena que nos tenhamos encontrado naquele dia, naquelas circunstâncias. Em outra vida, provavelmente teríamos sido amigos. Eu acredito no perdão e em um Deus que perdoa. Sempre acreditei e ainda acredito”, afirmou a versão em IA de Pelkey diante do juiz Todd Lang, do Tribunal Superior do Condado de Maricopa. Assista: Stacey contou que decidiu criar o vídeo após passar dois anos tentando escrever uma declaração de impacto da vítima. “A única coisa que continuava passando na minha cabeça e que eu ouvia era o Chris e o que ele diria. Sei que ele teria perdoado”, disse. “Abordamos isso com ética e moral porque é uma ferramenta poderosa. Assim como um martelo pode destruir ou construir, usamos a IA para dar ao Chris a palavra final. Isso não era prova, o júri nunca viu isso. Nem sequer foi feito antes do veredito de culpado. Isso é uma opinião. E o juiz teve permissão para ver um ser humano que não está mais aqui por quem ele era”, completou. Continua depois da Publicidade Apesar da reação emocionada do juiz, que classificou o vídeo como “genuíno” e agradeceu pela iniciativa, a defesa de Horcasitas entrou com recurso questionando se a sentença de 10 anos e meio de prisão, a máxima possível, foi influenciada indevidamente pela peça gerada por IA. “O tribunal de apelações deve avaliar se o juiz se baseou no vídeo da IA ao proferir a sentença”, disse Jason Lamm, advogado do réu. Especialistas em direito e tecnologia alertaram para os possíveis desdobramentos do uso desse tipo de material em tribunais. “Há uma preocupação real de que provas deepfake sejam cada vez mais utilizadas. São fáceis de produzir e muito convincentes, mesmo que sejam falsas”, afirmou Gary Marchant, professor de direito na Universidade Estadual do Arizona. Paul Grimm, ex-juiz federal e atual professor na Faculdade de Direito da Duke, ressaltou o risco de manipulação emocional, principalmente se essas tecnologias forem levadas a júri: “Temos que nos perguntar se não estamos distorcendo o registro sobre o qual o juiz ou jurado decide”. Família aprovou a iniciativa da irmã de Christopher Pelkey (Foto: Reprodução/CNN) Continua depois da Publicidade A legislação do Arizona, no entanto, permite que vítimas se manifestem em formato digital durante a audiência de sentença. A advogada de direitos das vítimas Jessica Gattuso, que representou a família de Pelkey, afirmou que não havia qualquer impedimento legal para a apresentação da fala gerada por IA. “Esse vídeo foi uma opinião. O júri não viu. Foi apresentado ao juiz, e o juiz teve permissão para ver quem o Chris era em vida”, explicou. Para Stacey, o impacto da recriação vai além do tribunal. Segundo ela, a experiência serviu como processo de cura para a família. “Depois da audiência, meu filho de 14 anos me disse: ‘Muito obrigado por fazer isso. Eu precisava ver e ouvir o tio Chris mais uma vez’”, relatou. A tecnologia, segundo ela, deu ao irmão a chance de se despedir.

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Fonte: hugogloss.uol.com.br